segunda-feira, 6 de abril de 2009

Mundo Grego-romano:o sagrado e o profano.



A história de Roma tem exercido fascínio por diversas gerações e não deixou ainda de o fazer. Os olhares especulativos de curiosos ou estudos de historiadores e arqueólogos estão geralmente voltados para a estrutura religiosa, governamental ou jurídica romana. Isto, porque sabemos a muito de sua forte influência em nossa sociedade.


O Direito, as Leis, são exemplos desta influência, além é claro da arquitetura, das artes, da própria religião e tantos outros.
No entanto, existe algo não muito estudado que exerceu grande influência na sociedade atual: a Educação.

Nossa sociedade cristã ocidental em muito espelhou-se no sistema educacional romano ao constituir escolas e universidades.

Alguns historiadores afirmam que Roma não tinha um sistema educacional formado. Realmente, não como o concebemos hoje, pois a educação estava a cargo da família e não do Estado.

No entanto, vemos que "As idéias e métodos educacionais do mundo antigo não morreram com a queda do Império Romano. Eles sobreviveram, até certo ponto, na Idade Média e foram conscientemente revividos pelos humanistas dos séculos XV e XVI".


2. A partir desta citação podemos ver que na realidade somos herdeiros da tradição retórica romana e de seu sistema educacional.


Para melhor compreensão, entendemos que a história de Roma e do império que se tornou não pode ser estudada como um todo uniforme, mas deve ser dividida entre seus principais momentos. Primeiramente precisamos olhar seus primórdios como Realeza, depois como República e por último como Império, cada momento possui suas peculiaridades culturais.


Claro que não iremos generalizar, neste trabalho apresentaremos apenas a educação em Roma, a capital do império, pois as diversas regiões romanas possuíam costumes e cultura diferenciados.


O ensino das primeiras letras apareceu em Roma por volta do século IV a. C. ainda no período da Realeza, no século III a. C. aparece o ensino que podemos considerar como o secundário, o ensino superior só apareceu no século I a. C., no final da República romana e tomou grande impulso durante o Império. "... o Estado romano não toma a seu cargo a tarefa de educar, que ficou deixada à iniciativa particular, (...) Só depois do advento do cristianismo, por volta do século IV d. C., é que surge e se espalha por todo o Império a escola pública, mantida pelos cofres dos municípios".



3. Primeiramente devemos observar que a sociedade romana era patriarcal, ou seja, o homem era o líder. O pater liderava a família e a sociedade. Os bens, a esposa, os filhos, os escravos e nome pertenciam ao pater.
A família romana foi a principal unidade social durante toda a República e o Império, sua origem está na gens.
A gens pode ser definida como um grupo de pessoas que possuíam um mesmo ancestral comum e sua origem reporta ao período da Realeza romana. "A gens tinha seus túmulos domésticos e cultos particulares; e todas elas se reuniam para tomar decisões coletivas".


4. Assim, a família romana se firmou como uma subdivisão da gens e passou a abranger tudo que se encontrava sob o domínio do pater familias.


5 . "Note-se que a sua relação com o poder político era bastante forte uma vez que os patres que compunham o Senado identificavam-se com os patres familiar um ou eram por estes escolhidos".


6. A vida social e econômica romana estava alicerçada na propriedade rural e seu cultivo agrícola. Este sistema de produção familiar assegurava a existência e a permanência da família patriarcal romana.


7. Por isso, não é difícil imaginar quem era o principal responsável pela educação do filho homem, o pater assumia a educação do filho a partir dos seis ou sete anos e somente durante a República é que surge a cátedra ou retórica para formar os oradores.


Durante a Realeza romana o pai educava o filho para a religião, sociedade e para a guerra.
A educação romana desde a Realeza até o Império era voltada para a guerra, mas principalmente para o culto religioso. A religião era o centro da vida romana.

Em Roma a medicina neste período, por exemplo, não se desenvolveu, pois todo o tipo de doença era considerada castigo divino e a cura somente poderia ser concedida pelos deuses. Assim, existiam deuses para todo o tipo de doença e orações próprias para qualquer enfermidade.

A casa familiar possuía muitas imagens para a proteção e o jovem desde cedo aprendia os rituais e o respeito aos deuses.
Aos jovens era ensinado que no lar uma chama de fogo não deveria ser apagada nunca, pois, representava a deusa da vida. A atmosfera do lar era voltada à religião, na entrada central montando guarda estavam as almas dos antepassados, em qualquer local que o menino fosse não poderia andar sem tropeçar em algum guardião sobrenatural.
A família era composta por vivos e mortos. "Todos juntos, formavam um microcosmos, não somente econômico e moral, mas também religioso, do qual o pater era o pai infalível.
Fazia os sacrifícios sobre o altar da casa. E em nome dos deuses dava ordens e repartia os castigos".



8.Nas palavras de Cícero vemos a importância que os romanos davam a educação ministrada pelo pater na vida do jovem. "A melhor das heranças que os pais podem deixar aos filhos, mais valiosa do que todo o património, é a glória da sua virtude e dos seus feitos, glória à qual deve ter-se por crime e injúria maculá-la".
9. Por isso, o pai era o responsável em passar os ritos, as responsabilidades e a educação para a vida.
Até os sete anos a criança era educada pela mãe e a partir de então passava à responsabilidade do pai, acompanhando-o em todos os seus afazeres, fossem agrícolas ou públicos, como nas Assembléias.
Desde a mais tenra idade ao jovem era ensinado que a família constituía uma verdadeira unidade militar e seus poderes estavam concentrados na figura do pai, o paterfamilias.
10 A educação se dividia em conhecimentos práticos e teóricos, além do treinamento militar.

A educação para o exército era importante, em Roma somente aquele que tivesse servido ao exército era considerado cidadão. Desta forma, os ginásios a moda grega eram dispensados pelos romanos, "Os patres romanos preferiam fortalecer os músculos de seus filhos colocando-os a trabalhar na enxada e no arado e depois entregando-os ao Exército...".
11. Assim como a educação era diferenciada de acordo com a situação financeira, o cumprimento do serviço militar também. Quanto mais rico o jovem mais anos de serviço militar deveria cumprir e mais impostos pagar. "Para quem quisesse ingressar em uma carreira pública, o mínimo eram dez anos".
12. Desta forma, vemos porque somente as famílias mais ricas tinham representantes em cargos públicos, pois só os ricos podiam dedicar tanto tempo ao exército, afastados do trabalho. No entanto, todos deveriam servir ao exército para tornarem-se cidadãos, para votar era preciso ter sido soldado.
13. Os jovens ingressavam nas regiões romanos aos dezesseis anos. A disciplina era tão dura e o trabalho tão árduo que todos os jovens preferiam o combate.
Ao jovem que exercia dez anos de serviço militar era preservado o direito de empreender a carreira pública quando voltasse para casa. Até 111 a. C. cidadania e exército eram sinônimos e o cidadão definia-se como soldado.
14 , após esta data surgiu o exército profissional que deixou de congregar todos os romanos. Apesar desta transformação, o exército não deixou de ser extremamente importante para a sociedade romana.
15. A língua romana, o latim, não possuía estrutura gramatical como o grego, vamos ver que somente após o contato com os helenos o rústico latim romano estruturou-se gramaticalmente.
Desta forma, os romanos se desenvolveram habilmente na oratória, muito importante para a vida pública em Roma durante a República.
A religiosidade tendia a disciplinar o menino romano. Disciplina era a forma como os romanos entendiam o ensino da cultura.
A religião era a forma pela qual a cultura e as lendas romanas eram ensinadas aos jovens. Até as guerras púnicas, entre 264 a 146 a. C. período de grande influência grega, eram os paters os encarregados da educação do filho.
Somente, a partir do maior contato com a cultura helena os romanos entregaram a educação de seus filhos a um tutor ou um paedagogus.
16 . O paedagogus não era propriamente o professor, pois neste período já existiam as escolas, e sim aquele que levava o jovem até a escola, como na Grécia. Como a convivência entre o menino e seu paedagogus passou a ser mais assídua, este assumiu algumas funções que antes eram exclusivas da família, como o ensino das lendas e da religião.
A figura do pedagogo surgiu durante a República, com a expansão e ascensão econômica romana, mas, somente entre a famílias ricas.
Para o jovem ter um pedagogo era sinal de status social. Por isso, muitas famílias ricas do interior romano enviavam seus filhos para estudarem em Roma, acompanhados de um paedagogus. Normalmente, após a educação romana estes jovens eram enviados para o aprimoramento de seus estudos na Grécia, o que muito legitimava o poder econômico da família.
Os romanos apesar de rústicos perante os gregos eram sedentos de conhecimento e foram alunos exemplares. Os romanos institucionalizaram a profissão de professor ao contratar professores gregos ou italianos helenizados para as primeiras escolas romanas no século III a. C. "Os professores gregos vieram para Roma e os romanos de bom-grado sentaram-se aos seus pés".

17. Ao jovem era ensinado a fidelidade ao estado, a fecundidade, aceitação da Lei, respeito, autoridade, firmeza frente a morte e valorização do sacrifício na guerra. O que importava ao romano não eram as intenções, mas as ações.

A educação romana saiu dos lares para as primeiras escolas durante o período da República, como já foi dito. Estas não estavam sob o comando do Estado, na verdade eram particulares. A intenção era preparar o jovem para a vida pública e cargos senatoriais.
Durante a República era a educação retórica a que mais se destacava, pois preparava o jovem para a oratória. O orador par os romanos deveria ser profundamente instruído em literatura, filosofia, história e leis romanas. No entanto, as escolas de retórica ensinavam a declamação e a composição de discursos.
Outras escolas assim surgiram para melhor preparar o jovem para a oratória. A escola romana não era como nossas escolas hoje, com vários professores de matérias diferentes ministrando aulas em um mesmo local, cada matéria, gramática, retórica, calculo, música e outras, era uma escola separada.
Existiam assim, escolas de gramática, de calculo e posteriormente de retórica.
O ensinamento de retórica e composição de discursos era ministrado após o aprendizado de gramática. Na escola de gramática o jovem aprendia a história romana, a literatura e principalmente o grego.
Os romanos cultos normalmente escreviam e se expressavam em grego, por este idioma possuir uma estrutura gramatical mais refinada. "Todavia, o próprio fato dos romanos adotarem o sistema grego é de inegável importância histórica e, por mais fiel que fosse essa adoção, eles deram um certo caráter romano ao que haviam tomado emprestado".
18. O próprio latim se desenvolveu gramaticalmente após o contato com o idioma grego. Os castigos eram comuns e a disciplina aplicada era rígida. Quintiliano, grande orador romano autor de Institutio Oratória, censurava o castigo físico e enfatizava o valor da emulação.

Ao contrário do que se pode pensar foi durante o Império que a educação romana se refinou. Conhecimentos foram aprimorados, a medicina antes considerada desnecessária diante da vontade divina, teve grande desenvolvimento neste período. Surgiram associações de médicos com a função de escolas, sobretudo provenientes da Magna Grécia e do Oriente helenizado. Na época imperial foi também organizado um serviço médico regular junto ao exército e à frota naval.

A retórica instrumento indispensável para a vida pública durante a República foi aprimorada nos tempos imperiais. "Sob o Império, a educação floresceu como nunca antes, havendo numerosas escolas tanto em Roma quanto nas províncias".
19. A Escola deste período centralizava-se na figura do mestre auxiliado as vezes por um assistente que ensinava apenas uma disciplina. O ludi magister era o mestre da escola primária aonde o menino aprendia a ler, escrever e os elementos básicos da aritmética.
havia o grammaticus grego e o grammaticus latino, o rhetor grego e o rhetor latino; havia escolas de geometria e música e, numa posição inferior, o calculator ou professor de aritmética comercial e o notarius ou professor de taquigrafia, cuja escola foi tão popular no final do Império".
20. Os jovens freqüentavam várias escolas ao mesmo tempo para completar sua educação.

O orador ideal para os romanos era aquele que tivesse freqüentado a escola secundária grega e latina, apreendesse geometria e música, além de passar por um professor de dicção e um instrutor físico antes de ingressar na escola de retórica.
A educação filosófica era voltada à moral e sabedoria, esta vinha depois da retórica.
Porém as escolas consideradas mais importantes pelos romanos eram a gramática e a retórica, por onde passavam os romanos ricos destinados à carreira pública.
Na escola de gramática o menino ficava dos treze aos quinze anos, onde aprendia as minúcias das línguas grega e latina, mas a maior parte do tempo dedicava a leitura dos clássicos das duas literaturas. O grammaticus ensinava teoria e não composição, esta o menino aprenderia quando ingressasse na escola de retórica.
A escola de gramática era considerada o secundário. Durante o Império os grammatici tenderam a aplicar os primeiros exercícios preparatórios para composição de discursos próprios da retórica, os progymnasmata. Estes exercícios não incentivavam a originalidade de idéias, mas o desenvolvimento do tema proposto, ampliando os domínios dos recursos de linguagem do aluno.
Na escola de retórica o jovem romano permanecia dos quinze aos dezoito anos onde aprendia teoria retórica e exercitava-se em constantes declamações.

"A declamação era um fim em si mesma, uma forma de oratória de direito próprio, e os retóricos declamavam em público, diante de platéias interessadas".
21. Os declamadores apresentavam temas fantásticos e melodramáticos com afastamento do mundo real, com trechos vistosos e rebuscados buscavam o aplauso imediato. As escolas romanas não buscavam formar o caráter da criança, ou ensinar religião, patriotismo e moralidade, ela apenas almejava ensinar um ramo de conhecimento, os outros ensinamentos eram deveres da família.
A educação romana despertava gosto vitalício pela leitura. Sabemos de homens como Plínio o Velho que não paravam de estudar ou compor nem na hora do banho ou das refeições.

Em Roma foi grande o índice de alfabetização, não eram somente os homens que tinham acesso a educação, mas as mulheres e os escravos, cidadãos e estrangeiros também estudavam. Apenas a educação retórica era voltada aos homens, pois preparava para a vida pública e cargos senatoriais.

A mulher em Roma não era considerada inferior ao homem, mas era subordinada a este quando casada. Como já dito, na família romana era o pater (pai) que tinha o poder de decisão sobre os filhos e esposa.
Os romanos gostavam de escrever e o faziam até nas paredes, eram muito comuns os grafites. Os ricos escreviam em tábuas de cera, posteriormente em papiros e os pobres com estiletes nas paredes, onde expressavam seus pensamentos.

22. A educação romana como vemos alcançava de forma diferenciada as diversas castas da sociedade, fossem plebeus ou patrícios, cidadãos ou estrangeiros.
Até o grego considerado língua refinada pode ser encontrada em grafites nos muros dos palácios romanos. "Mesmo numa parede, vemos uma pessoa qualquer teorizar e, por que não, mostrar que se filosofava, em grego, também nas camadas populares".
23.Desta forma, podemos concluir que a educação em Roma não era excludente, mas diferenciada, voltada para cada grupo e suas funções. Ao homem público educação retórica ao homem agrícola educação familiar.
Professora do Departamento de Biblioteconomia e História da FURG, mestre em História pela PUCRS e coordenadora do GPHA - Grupo de pesquisa de História Antiga.

Um comentário: